sábado, 23 de agosto de 2014

O meu bébé tem sindrome de down, e agora?

ano 2003
12 semanas de gravidez - rastreio positivo
16 semanas - amiocentese positiva


O meu bébé é mongloide...
a minha vida acabou...ou recomeçou?

Olá, chamo-me Helena, tenho 37 anos e sou mãe de 3 crianças. Uma de 12, outra de 8 e a última de 4.
A última nasceu com Trissomia 21 (síndrome de Down - popularmente chamdo de Mongolismo).

Soubemos no inicio da gravidez, o que nos fez passar por determinadas situações dolorosas, difíceis e muito "estranhas"....

Como já disse, nós soubemos da deficiência da nossa filha Leonor às 16 semanas de gravidez.
Foi um enorme choque, como devem calcular...

O chão desapareceu-me debaixo dos pés...
A tristeza...
a angustia...
o querer morrer...
Chorar,
chorar,
chorar,
queria dormir e acordar daqui a 5 anos...(agora passaram-se 11 anos)
tirem-me deste filme!

Ainda no meio destes sentimentos horríveis, foi-nos IMEDIATAMENTE comunicado pelo médico que poderíamos abortar e teríamos de decidir até às 24 semanas...
Por lei eu podia "abortar".

No meio disto tudo, sem mais nem menos, estava nas minhas mãos a vida de alguém...
o que quer que eu decidisse a lei apoiava-me, tal como maioria da sociedade...
é desconcertante este sentimento...

Eu posso "anular" uma vida à vontade?
Tudo isto porque ela "não é normal"...é diferente, tem um atraso mental que nunca a vai deixar tirar um curso superior, casar e ter filhos...por estas razões eu posso matá-la? A sociedade apoia, paga e assina por baixo?
Nem queria acreditar, que além de tudo o que estava a passar, ainda tinha de responder a esta pergunta "técnica" do meu médico...

Achámos (o meu marido e eu) que temos os filhos para ELES serem felizes (e não nós - Pais - como muita gente acha). A felicidade é relativa e não passa obrigatoriamente por cursos superiores nem casamentos. Além de que, aprofundando o assunto, estas crianças mongloides são tão mais descomplicadas que naturalmente são felizes.

Fiquei radiante quando me apercebi e tomei consciência (falar com mães, associações e procurar na net) que dos meus 3 filhos uma já ia ser feliz...os outros dois ainda tinha muito que os ajudar...e isso deu-me imenso conforto!!
A mongloide era certamente a feliz!!! Que bom e tranquilizante ter essa certeza!

Quantos de vocês tem essa segurança em relação aos vossos filhos ditos normais?

Bom, isto tudo para dizer, que apesar de não desejarmos uma criança "diferente", não querermos, não nada, nunca (apesar de neste caso a lei dizer que sim) pensámos em matá-la! aquela criança na minha barriga não pediu NADA. Com olhos em bico ou não, mais lenta ou não, eu não posso matar a minha filha!!! NÃO TENHO ESSE DIREITO...

A minha vida vai mudar? Sim!
Vou estar enfiada em terapias? Sim!
O coração dela está bem? não sei...
Os outros orgãos? Não sei...
ouvirá bem? não sei...
Verá bem? não sei...

vocês sabem antes dos vossos filhos nascerem? Têm certezas?
O vosso filho hiperactivo sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ele dá!
O vosso filho autista sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ele dá!
O vosso filho dislexico sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ele dá!
A vossa filha tímido sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ela dá!
A vossa filha rechonchuda sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ela dá!
O vosso filho drogado sabiam-no na gravidez? ufa e que trabalho ele dá!

Não é por sabermos "antecipadamente" determinadas faculdades de um filho que o anulamos. Não acredito que apesar do trabalho algum de vocês já tenha pensado em "matar" o vosso filho por ser dislexico, ou hiperactivo...pois não? O amor é o mesmo! E aquelas gravidezes em que está tudo óptimo e "normalíssimo" e passados uns anos sabe-se lá porquê o vosso filho querido entra nas drogas? O que se faz? mata-se ou ajuda-se INCONDICIONALMENTE UM FILHO A SER FELIZ?

Foi nessa perspectiva que a minha cabeça andou nesses 18 meses de gravidez da Leonor.
Digo 18 meses porque cada dia me parecia 1 mês...

Era muito complicado o dia a dia...
Os pontapés do bébé eram o misto de bom e de péssimo (o médico disse-me que muitas vezes estes bébes não resistem...tinha sempre a esperança que o bébé não sobrevivesse sozinho). O pontapé era sinal de que estava bem.
Conseguem imaginar uma mãe ter um bébé na barriga e ter simultanemamente estes sentimentos?

Eu não tinha a cara dela para olhar, uma fralda para mudar, um bébé para me afeiçoar...
Era uma estranha....eu só pensava: (desculpem-me as outras mães)
-" que sorte aquelas mães que só sabem à nascença!"- pois elas também têm o choque, mas já têm o bébé ao seu lado e têm de tomar conta dele, e sem querer afeiçoam-se e dão a volta mais rapidamente. Que sorte!

O DIA QUE A LEONOR NASCEU, FOI O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA!

Dia 27 de Março de 2004.
Parto marcado, natural. Nasceu às 16h15 de um sábado.
Na altura que o médico me mostrou a Leonor, chorei, chorei, chorei mas de alegria! Que bom finalmente ver-lhe a carinha linda cor de rosa!
Na sala de espera estava a minha família toda e a do meu marido. TODA.
As enfermeiras perguntavam:
-"é o primeiro filho?" Não entendiam porqué é que estava lá tanta gente...ao qual responderam:
-" não é o terceiro" - ficaram mais baralhadas...
Ninguém tem tantas visitas num terceiro filho....já ninguém dá confiança...não é?

Depois as enfermeiras souberam que a criança acabada de nascer tinha Trissomia...e passavam por mim com cara de pena...cheias de atenções...e eu RADIANTE, FELIZ por VER finalmente a minha bébé, o meu anjinho.
De a ter ao colo e senti-la...tanto tempo de angustia de dúvidas, finalmente acabaram.

A partir desse dia, a minha vida ficou mais completa, mais rica e muito mais feliz!
A Leonor é linda de morrer, fala, brinca, come, corre, vai à escola, dá-me abraços inesqueciveis, beijos a cheirar a cuspinho de bébé, e não consigo imaginar a minha vida sem esta filhota!

Quase que tenho pena de "algumas de vocês" que não têm um filho com trissomia para saberem como é bom!!!! (estão a ver o meu nível de loucura?).

A Leonor passa o dia a rir, é feliz, dá cabo do juízo dos irmãos que MORREM DE LOUCURA por ela, une irmãos, cunhados e primos, e ajudou-me muito e ao meu marido a crescermos e a sermos ainda mais felizes do que já achávamos ser!

Vale a pena viver!
Um beijo grande a todas as crianças do mundo, de uma mãe a rebentar de orgulho da sua família!
Helena Belo (bitabelo) 
 
 

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